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9.8.03

Incêndios 3
Seguindo pelas curvas das Mouriscas, atravessando as aldeias seguintes, rumo a Norte, reparo num pormenor constante: sempre uma densa floresta de pinheiros bravos e eucaliptos, fazendo uma mancha verde contínua, que vem deste o cimo dos montes e, descendo, se estende até dentro das próprias povoações, penetrando-as, envolvendo casas e outras construções.
Perto destas aldeias, aquilo que antigamente eram quintais, hortas e pomares bem lavrados e cuidados, hoje, na sua maioria, não passam de campos abandonados, invadidos por enormes balseiros e ervas secas. As próprias bermas das estradas, cheias de ervas altas parecem ter deixado de beneficiar dos cuidados dos cantoneiros, que antigamente eram usuais.
Ao contrário do que se pode ver em alguns concelhos mais a sul, aqui nesta região do centro de Portugal, praticamente não existem aceiros e a construção de estradões por entre as matas, sofre normalmente de feroz oposição por parte dos proprietários. Desta maneira, quando surge um incêndio, fica muito difícil combatê-lo.
Por volta das 16 horas chego à terrinha. Junto a casa, sentados cá fora, os meus pais; a minha avó, que tem noventa e tal anos e ainda o juízo todo; tios e primos, num total de 14 pessoas.
Apontam-me o local até onde chegou o fogo. Vê-se perfeitamente a copa amarelecida dos pinheiros queimados, a uns 200 metros das nossas casas. Vá lá, já houve vezes piores. O vento, desta vez ajudou, dizem-me. Mas ainda não é certo que o fogo não possa reacender-se e, à cautela, 4 moto-serras descansam no chão, prontas para qualquer eventualidade. Neste momento são a melhor arma contra o fogo, porque as torneiras ainda não têm água e a «trovoada seca» que fez no Sábado, mandou um raio que inutilizou a bomba eléctrica do furo de captação de água subterrânea que a gente tem.
Após um curto descanso, decido ir até ao centro da aldeia. As ruas desertas parecem dormir a sesta, está muito calor. Estaciono no largo, frente ao café do Luís e caminho até lá. Antes de entrar, cá fora, na rua, reparo num gerador a gasolina que vai suprindo com ruído, a falta de energia eléctrica nas tomadas.
Ao contrário das ruas, o café está cheio e barulhento. É tudo pessoal conhecido e vou cumprimentando todos à passagem, enquanto me vou chegando até ao fundo da sala, onde estão os meus primos Tó e Zé Cláudio , entretidos a emborcar minis, com a barriga encostada ao balcão.
( Tanto quanto sei, no Brasil não são costume as garrafas de cerveja pequenas, como a ?mini? que tem 200 ml e a ?média?, com 33 cl. Por outro lado, a cerveja portuguesa é mais forte ).
Os meus primos, que são como meus irmãos, ficam contentes por me ver. Junto-me a eles, mas como não bebo álcool ( nem água oxigenada), em vez duma ?Sagres? ou ?Super Bock?, peço antes uma Seven Up.
O assunto de conversa é todo o mesmo, só se fala de incêndios. Esta malta não dormiu a noite passada, ocupados a combater o fogo. Alguns estão com aspecto deplorável. O Tó, por exemplo, é alto e magro, tronco nu, quase esquelético; calções e chinelos de praia; barba mal semeada, por fazer; um cabelo loiro, curto, mas sujo. O Zé Cláudio, tá na mesma, só por dizer que usa uma T shirt toda cagada, na vez de andar em troco nu. Vendo-o, ninguém diria que trabalha numa conhecida instituição cultural, em Lisboa, onde ganha balúrdios.


Incêndios 4
É opinião unânime que os fogos só ganham toda esta dimensão, devido ao estado das nossas matas. Porque afinal, toda a vida fez calor no Verão e os meios de combate a incêndios antigamente ainda eram mais escassos, mas não havia fogos tão grandes como há agora.
A diferença é que antigamente as matas eram limpas e andava sempre lá gente a trabalhar, agora não. Pelo menos aqui, já não se colhe a resina, nem se aproveita o mato. Pior que isso, a maioria das aldeias ficaram desertas, porque os filhos da terra emigraram para a França ou mudaram-se para «Lisboa». Portanto, os pinhais agora pertencem a pequenos proprietários idosos, que recebem pensões de miséria e não possuem meios económicos que lhes permitem cuidar devidamente das courelas, ou pertencem a herdeiros que moram longe e não têm vida para cuidar de pequenas parcelas de pinhal que não dão rendimento quase nenhum. Por isso, estas propriedades acabam sendo abandonadas, acravando-se de mato, que quando lhe pega o fogo é pior que pólvora.
Os restantes proprietários, os que ainda vão vivendo da floresta, como o que interessa agora é já só a madeira, vá de plantarem eucaliptos. Ora o eucalipto é uma árvore lixada porque, segundo me contaram, deita no ar uma substância altamente inflamável de propósito, para quando há fogo, fazer arder as árvores de outras espécies à volta. É que depois de arder, o eucalipto normalmente não morre e volta a crescer, enquanto o pinheiro e as outras árvores morrem mesmo. Trata-se duma forma, que o eucalipto tem, de fazer expandir a sua espécie.
A grande causa destes incêndios florestais vem do abandono e gradual desertificação do interior rural português. Os poucos que lá restam, são portugueses pacíficos e humildes que nunca reclamam, nem se revoltam e por isso, o poder político não se preocupa com eles.
Em época de eleições, passam por lá as caravanas das campanhas eleitorais e é ver esses ingénuos portugueses acorrerem aos comícios, de bandeirinha na mão e aplaudirem entusiasticamente os «salvadores» da Pátria. Mas a verdade, é que cada vez mais as pessoas vão abandonando os campos para se instalarem nos meios urbanos e o poder nada faz para estancar a hemorragia e promover a fixação das pessoas no interior do país. É como se não houvesse já gente a mais nas grandes cidades.
Este caso dos incêndios, ano após ano, é bem revelador da total indiferença dos sucessivos governos em relação às populações rurais e dos seus problemas. A atitude deste governo, em relação aos incêndios deste ano é tal e qual a mesma que teve o JPP no Abrupto: uma incapacidade de, imediatamente, avaliar a real dimensão do problema e adormecer na ideia cómoda de que a tragédia anunciada por todos os órgãos de comunicação social não passava de exageros.
Foi pena as palavras dos jornalistas não terem servido para nada, senão tarde. Penso que uma das grandes capacidades que qualquer político deve ter, é justamente a de conseguir avaliar correctamente as situações, em tempo oportuno.
Poderá parecer que o peso eleitoral destas regiões é pequeno. Convém não esquecer a quantidade de eleitores recenseados nos centros urbanos, naturais destas zonas. Se bem me lembro, em anos de grandes incêndios florestais, normalmente as eleições seguintes foram de mudança. Recordo-me perfeitamente do último Verão do governo do Professor Cavaco Silva.

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